Em um hostel de Montevidéu

Todos no hostel ainda dormiam quando eu me levantei um pouco antes das 9hs. Engoli, de pé mesmo, duas torradas e um pouco de chá morno. Era o meu dia de fazer a faxina na casa. Peguei a vassoura e a pá e aproximei o cesto de lixo. Com o absoluto silêncio nos outros cômodos, o som das cerdas que eu esfregava contra o piso de madeira da sala somava-se ao zumbido dos carros na rua. Eu acumulava, em pequenos montinhos, os amendoins e as tampas de cerveja que, na noite anterior, haviam ido parar embaixo dos móveis. Junto a isso, uma fina camada de poeira e fios de cabelo.

Desloquei levemente a poltrona para poder inclinar a vassoura debaixo dela. Assim que puxei um pouco da sujeira, um gordo tomate cereja rolou para o monte mais próximo a porta. Olhando aquele acumulado de sujeira em frente a meus pés, imaginei se aquilo fosse uma maquete infantil do sistema solar feita por alguém que não conhece nem as proporções nem as formas dos corpos celestes. Sobre o chão escuro de madeira e iluminados diretamente pela luz do Sol, os grãos de poeira ficavam mais claros, como se cumprissem a função das incontáveis estrelas que preenchem o Universo. Os pedaços de amendoim, apesar de não serem redondos, eram opacos como os planetas e as luas. O papel do tomate cereja era evidente. De tão vermelho que era, já quase parecia emitir luz própria.

O silêncio novamente ocupara o hostel assim que eu parei de varrer para observar aquele pequeno monte de sujeira. As pessoas, que naquele momento dormiam em suas habitações, também me pareciam pequenas representações de corpos celestes. Algumas trajetórias - elípticas - voltavam mais de uma vez ao mesmo lugar, enquanto outras - perpendiculares - encontram-se somente uma vez. Alguns corpos se chocam, alterando mutuamente suas rotas. Outros passam sem deixar vestígios. Cada hostel é um pequeno sistema solar atravessado, ao mesmo tempo, por certos corpos velozes e passageiros e outros lentos e vagarosos.